quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ZILDJAN E CONSTANTINOPLA

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Não está muito claro quando o pai de Avedis chegou em Constantinopla pela primeira vez, mas é provável que ele tenha imigrado no início de 1600 com milhares de outros armênios que estavam fugindo de guerras e lutando na Anatólia Oriental. Ele foi indubitavelmente puxado para a grande cidade por conta do celebrado esplendor, sua grande riqueza, e sua abundância de oportunidades – não diferentemente um descendente dele seria puxado para o litoral Americano trezentos anos depois. O pai de Avedis encontrou emprego como um fabricante de metal para o Sultão – alguns relatos dizem que ele fazia taças para serem usadas nos banhos, cozinhas e haréns do grande palácio. Outras fontes dizem que ele estava envolvido no despejamento de bronze em estado líquido nos tremendos caldeirões nos quais as suntuosas festas para o sultão eram preparadas.
Avedis nasceu em 20 de fevereiro de 1596. Ele seguiu os passos de seu pai como fabricante de metal, mas também tinha grande interesse pela alquimia – a mistura de metais base, químicas e ervas com a esperança de projetar um método para se fazer ouro. Assim como seu pai, Avedis trabalhou para o Sultão e, em uma ordem escrita, datada de 23 de março de 1618, ele foi autorizado a fabricar pratos para a corte do Sultão. Na ordem, o Sultão Mustafa I transferiu a Avedis oitenta peças de ouro, e o mais importante, reconheceu oficialmente o sobrenome de Zilciyan ou Zildjian, o que significa em armênio “Filho do Fabricante de Pratos”, ou “Família dos Fabricantes de Pratos”. (Zil é a palavra turca para “prato” ou “sino”, dj significa “fabricante” ou “construtor”, e ian significa “filho do”.)Os pratos e sinos eram feitos de bronze há séculos; a fórmula de oito partes de cobre para duas partes de estanho era bem conhecida, mas em algum ponto Avedis achou por acaso um processo de fazer uma mistura de bronze que mantinha sua força e temperatura mesmo quando martelada e trabalhada previamente em uma finura inimaginável. A técnica que ele descobriu possibilitava que os pratos a serem fabricados tivessem uma pureza distinta de tonalidade que nenhum outro prato jamais tinha alcançado. A mistura de bronze por si só não era nenhum mistério, mas o processo de mistura, o método de combinar os metais na forma derretida para criar as peças fundidas de onde os pratos eram feitos era um segredo mantido apenas por Avedis. Os pratos resultantes, nos quais se dizia que continham pequenas quantidades de ouro ou prata, devem ter agradado o Sultão, a ponto de escolher Avedis para fazer pratos para os Janissários, as forças de batalha superiores dos Otomanos. A música das bandas dos Janissários precisavam profundamente do toque dos pratos, e Avedis tornou-se o fornecedor oficial do Sultão.Embora os otomanos fossem uma dinastia islâmica, gregos, judeus e armênios eram tolerados pelo Estado e, na verdade, sob o governo do Sultão Murad IV, de 1623 a 1640, os armênios mantiveram muitas posições altas no governo otomano. É possível que este clima de aceitação protegida dos armênios pelos Otomanos levou o Sultão a permitir que Avedis deixasse o palácio em 1623 e começasse sua própria fabrica em Constantinopla. Ele construiu
uma pequena oficina de fundição na quarta parte da cidade de Samatia (ou Psamatia em armênio), não apenas fabricando pratos para as bandas janissárias, mas também para as igrejas armênia e grega onde os pratos eram usados para dar ênfase aos hinos e cantos de cerimônias religiosas.Diz-se que Avedis teve dois filhos e uma filha. Imaginando que seu processo secreto precisava ser fielmente guardado contra os concorrentes, pareceu natural que o processo fosse passado para o filho mais velho de cada geração dos Zildjians. Seu filho Ahkam, nascido em 1621, foi o primeiro a sucedê-lo como guardião do segredo. Registros otomanos indicam que ele dominou o controle dos negócios desde a época de Avedis até por volta de 1651. Pelo fato da família Zildjian ser armênia, tinha que ser dada permissão pelos otomanos cada vez que um filho herdava o controle dos negócios de seu pai. Embora seja dito que existam registros nos arquivos da Turquia, pouco se sabe da sucessão do controle da companhia a partir desde meados de 1600 até o início de 1800, quando, de acordo com a pesquisa feita pelos escritores Chip Stern e Thomas Navin, Haroutune Zildjian I, passou o processo secreto para seu filho mais velho Avedis II. Avedis II era um comerciante vivo e perspicaz que buscou expandir o mercado para seu produto aproveitando-se da demanda por pratos de qualidade criada pelos compositores europeus.A ópera, com muitos de seus temas enraizados em histórias e mitos antigos, era o veículo perfeito para a introdução do prato turco na música clássica. O primeiro compositor europeu a utilizar pratos foi Nikolaus Strungk, na ópera Esther, de 1680. Em 1779, Christoph Willibald Gluck incorporou partes de pratos na Iphigenie en Tauride, aparentemente criando algum movimento entre as platéias não acostumadas a tais sons exóticos estrangeiros. Por outro lado, a música dos compositores italianos Rossini e Giuseppe Donizetti teve uma influência das bandas otomanas nos anos 1830. Na metade do século XIX, compositores como Wagner, Brahms, e Berlioz estavam repetidamente estreando os pratos em suas composições. Na verdade, diz-se que muitos compositores europeus proeminentes descreviam que apenas pratos Zildjian fossem usados em seus trabalhos.
Conforme a necessidade de pratos crescia na Europa, também crescia lentamente a fama de um artesão na Turquia que fazia os pratos mais finos do mundo. Avedis, imaginando o potencial de mercados maiores e mais lucrativos, construiu uma escuna, e viajou para a Europa mostrando seus pratos em exibições mundiais (o que equivale, no século XIX a uma feira), ganhando medalhas pela qualidade e perícia profissional em Paris e Londres em 1851, e uma outra na Exibição de Londres de 1862.Os dois filhos de Avedis eram jovens demais para sucedê-lo quando da sua morte em 1865, então, o controle da companhia foi para seu irmão mais novo Kerope II. Kerope continuou o negócio, ganhando medalhas em exibições em Chicago (1873, 1893), e Viena e Bolonha (1888). De acordo com a pesquisa feita por Chip Stern, Kerope manteve a companhia de 1865 a 1909, um ano antes de sua morte. O filho mais velho de Avedis, Haroutune II já tinha se decidido por uma carreira no governo, e embora ele fosse o herdeiro por direito a receber o controle da companhia, ele recusou. Seu irmão Aram, que, juntamente com Haroutune tinha sido aprendiz na fábrica Zildjian foi o recebedor da fórmula secreta de seu tio Kerope.O relacionamento entre os otomanos e os armênios em Constantinopla sempre tinha sido sutil e as situações tinham se tornado horríveis ao final do século XIX. Os nacionalistas armênios haviam começado a se revoltar contra o governo otomano reclamando um Estado armênio separado. A resposta otomana às várias revoltas foi permitir o massacre indiscriminado dos armênios nas ruas de Constantinopla e em todo o império otomano. Aram Zildjian, membro de um grupo de armênios nacionalistas envolveu-se em uma conspiração para matar o Sultão Abdulhamid II em 21 de julho de 1905. A tentativa de assassinato incluiu a fabricação de uma cópia exata da carruagem do Sultão equipada com dinamite que ,por meio de vários métodos de intriga, foi deixada esperando para leva-lo de volta ao palácio partindo da mesquita onde havia estado fazendo suas preces diárias. A bomba explodiu antes que o Sultão chegasse e, após a inspeção de fragmentos da carruagem, as autoridades turcas encontraram provas da conspiração que apontava para Aram e outros.
Aram foi forçado a deixar o país, fugindo para Bucareste. Lá ele fabricou pratos sob o nome Zildjian (A. Zildjian & Cie.), enquanto ainda mantinha contato com a fabrica de Constantinopla (K. Zildjian & Cie.), que havia sido supervisionada pela filha mais velha de Kerope, Victoria (que deve ou não ter conhecido a fórmula secreta), na ausência de Aram. Quando Victoria morreu, seu sobrinho Mikhail Dulgaryian ajudou a dirigir a fábrica.Este cenário aparentemente confuso, com duas fábricas Zildjian funcionando simultaneamente, é o assunto para controvérsia e definições de sucessão – o caminho da fórmula secreta de uma geração a outra – permanece obscuro na melhor das hipóteses. Alguns boatos referem-se a Aram em Bucareste até 1926, quando ele retornou a Constantinopla (agora oficialmente renomeada Istambul), após impetuosas reformas no governo terem tornado seguro que ele retornasse. Outra prova sugere que ele tenha ficado em Bucareste até que viesse para os Estados Unidos para passar o segredo a seu herdeiro de direito, seu sobrinho Avedis III.---------------------------------------------De acordo com Avedis III, quando jovem, Mikhail Dulgaryian tinha feito um buraco no telhado da fábrica de Constantinopla e espiado Kerope enquanto ele fazia a mistura secreta no intuito de descobrir a fórmula mágica, mas falhou miseravelmente.---------------------------------------------Em um papel de 1949, o pesquisador Thomas Navin, da universidade de Harvard escreveu que Aram realmente retornou a Istambul em 1926, mas manteve a fábrica em Bucareste aberta. Em 1926, ele também vendeu os direitos para a distribuição americana de seus pratos A. Zildjian e Cie. para a Fred Gretsch Company. Isto significa que alguém na fábrica romena teria conhecido a fórmula secreta, que é algo diferente. As possibilidades são que Aram retornou a Istambul e ficou talvez desapontado com o fato de que a fabrica não estava sendo conduzida por um descendente paterno direto dos Zildjians.
Pronto para se aposentar, e disposto a pegar a companhia sob a responsabilidade do filho de seu irmão, Aram fechou a fábrica de Istambul, o que deixou a companhia de Gretsch carente de uma fonte para os pratos turcos. De acordo com Navin, Gretsch convenceu Vahan Yuzbashian, marido da filha de Kerope, Filor, a dirigir a fábrica de Istambul. Os direitos da distribuição americana para o nome de K. Zildjian & Cie. foram vendidos para Gretsch por Yuzbashian e Mikhail Dulgaryian, que mais tarde mudou seu sobrenome para Zilcan.No decorrer dos anos, a mistura secreta – o tesouro da família Zildjian – tem sido o centro de muitas intrigas e controvérsias. De acordo com Avedis III, quando jovem, Mikhail Dulgaryian tinha feito um buraco no telhado da fábrica de Constantinopla e espiado Kerope enquanto ele fazia a mistura secreta no intuito de descobrir a fórmula mágica, mas falhou miseravelmente. Avedis também disse que enquanto Aram estava no exílio, Mikhail viajou a Bucareste para tentar extrair o segredo do velho homem. Após a recusa de Aram, uma luta seguiu onde Mikhail virou as caldeiras da mistura e voltou para Istambul. Um outro primo, Karekin, acreditando conhecer a fórmula secreta, construiu uma fábrica na Cidade do México em 1907, com a esperança de criar seus próprios pratos. Aparentemente, ele cometeu um severo erro de cálculos na habilidade de seu conhecimento e, durante o processo de mistura, foi morto por uma explosão que arrancou sua cabeça e envolveu seu corpo no bronze derretido. O prato Zildjian, nascido de partes iguais de fogo e ilusão, tinha mais uma vez demonstrado a mística de seus princípios secretos.

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